Se você acha que vou falar de um medalhão como Vecchio Sogno, Xapuri ou Taste-Vin, está enganado. Se acredita que este post vai tratar de um dos novos (e bons) bares da cidade, tipo Braca e Armazém Medeiros, também errou. Mas se a aposta é numa dessas novas casas de bom custo/benefício, como Piacenza ou 2010, você acertou sem querer: é uma casa que, sem essa intenção explícita, está se tornando uma das principais referências do gênero. Ou seja, elogiam a comida e os preços. Já era para ter postado sobre ele há mais tempo, mas fui atropelado por outras prioridades e só hoje consegui parar para fazê-lo. Falo de um fenômeno chamado
Buffet Bhagwan.
Fiquei sabendo da existência desse restaurante na
coluna do amigo Rusty Marcellini. Liguei para ele para saber de mais detalhes e não tardei em visitar a casa e escrever
matéria para o caderno Divirta-se, publicado no início de fevereiro. Para quem ainda não sabe do que se trata, aí vai um resumo: o chef e proprietário da nova casa é o indiano Bhagwanasinh Dhyanasinh Keintura (Bhagwan daqui para frente, combinado?), que trabalhava no restaurante
Maharaj, aquele inaugurado em 2007 na mesma casa em que funciona o Consulado da Índia. A especialidade era comida indiana, claro. Pois Bhagwan resolveu ter seu próprio negócio e se mandou com a cara e a coragem para o bairro Sagrada Família. Vista do lado de fora, mal dá para acreditar que a casa esteja fazendo tanto barulho assim...
Mas está. Do início do ano para cá não pararam de pipocar pela internet referências (praticamente todas positivas) ao restaurante, principalmente de blogueiros da cidade. Confiram algumas:
- Adrina recomenda "muito mesmo" o restaurante em seu
À cata de palavras e quer voltar para experimentar o camarão ao curry e coco
- Renata Alves, uma das autoras do
Oblog, não vê a hora de voltar e postou instigante imagem do arroz frito com especiarias
- Em seu
Augusto no Buteco, Augusto avaliou a casa como sendo de "excelente relação custo x benefício" e puxou a orelha do Bhagwan no quesito atendimento
- Clara Bello ainda não visitou a casa, mas parece querer fazê-lo, como mostra em seu
Quitutes Gourmet Me limitei aos blogs, mas há muito mais referências escondidas em comentários de blogs, em links que aparentemente não funcionam (mas parte do conteúdo é visível na pesquisa que fiz no Google) e em pequenos anúncios em sites comerciais.
Bhagwan não está sozinho nessa. Assim que saiu do Maharaj, chamou a filha, Rukamani para ajudá-lo. Como chegou da Índia há poucos meses, ela ainda não domina o português, embora já o compreenda com alguma clareza. Um desses blogueiros recentemente relatou que durante visita a casa o atendimento fluiu melhor em inglês. Eis a dupla:
Não vou ficar aqui falando, falando, falando sobre o restaurante. Além de já tê-lo descrito na minha
matéria, ainda não tive oportunidade de retornar a casa com calma (e como pessoa física) para provar pratos e avaliar atendimento, ambiente e tudo mais. Mas ando muito curioso a respeito e creio que não demorar para acontecer. Contarei aqui, como de costume. Na ocasião da visita para escrever a matéria, porém, Bhagwan não me deixou sair de lá sem provar sua gostosa samosa, servida com os bons chutneys de coco, tamarindo e mamão que ele mesmo faz no restaurante:
Mas como ia dizendo, este post não terá infomações básicas da casa, pois aproveitarei a oportunidade para mostrar interessantes detalhes do restaurante que ficaram de fora da minha matéria. Por exemplo, um dos dos aspectos que mais chama a atenção é a simplicidade do lugar, resultado da falta de recursos do próprio Bhagwan. Ele é um empreendedor independente e sem consultores ou sócios; não tem bala na agulha para construir um Maharaj. Então, faz o melhor que pode com o pouco que tem. E se, mesmo assim, está conseguindo atrair público expressivo para um bairro sem tradição em termos de gastronomia como o Sagrada Família, temos de tirar o chapéu para ele.
A simplicidade está nos jogos americanos sobre as mesas...
... nas humildes estampas indianas que, esticadas e emolduradas, se transformam em quadros e ajudam a criar um clima...
... e no cartaz colocado sobre a porta de entrada para recepcionar os fregueses...
Todas elas formas singelas e autênticas de demonstrar cuidado e gentileza. No fundo, é isso que importa. Falo de demonstrar intenção. Quantas vezes vocês não se sentiu desrespeitado ou até mesmo ignorado em restaurantes finos ou bares da moda? São situações que despertam a nossa ira e estragam nosso programa. Bons serviços e boa comida não são exclusividade de casas com muitos cifrões. Definitivamente. Andam dizendo que Bhagwan e sua filha estão derrapando no quesito atendimento. Então, aí vai meu recado: se vocês dois estão ganhando a confiança dos fregueses (processo difícil, lento e contínuo), não a joguem fora!
Depois de um tempo, a gente se acostuma ao jeitão do lugar. Ou vão me dizer que esse ambiente não é simpático?
Ah, faltou falar do forno! Como bom indiano, Bhagwan não poderia deixar de usar o tradicional tandoor, espécie de forno cilíndrico feito basicamente com argila. A grosso modo, o tandoor está para a cozinha indiana da mesma forma que o fogão a lenha está para a cozinha mineira. Um está intimamente ligado ao outro. Como aparentemente não há como comprar um forno desse por aqui, a solução foi... botar a mão na massa!
No melhor estilo "quem não tem cão caça com gato", ele comprou um latão de óleo no Jair Óleos (sim, aquela famosa loja de troca de óleo em carros) e fez seu próprio tandoor. Vejam:
Esse era o tandoor da época em que fui ao restaurante. Digo isso porque Bhagwan me contou que essa era sua quarta ou quinta tentativa de fazer um forno desse tipo para a casa: a cada uma, mudava algo no padrão de construção para evitar que quebrasse. O chef já torrou mais ou menos R$ 1.000 com tudo isso. Os primeiros ele fez com vasos de planta, mas não deram certo. Depois tentou fazer só com argila. Agora passou a utilizar uma mistura de argila e barro com a qual reveste um tambor de plástico:
Leva entre 15 e 20 dias para secar. Feito isso, esse molde é colocado dentro de um tambor de metal, que recebe ainda uma camada de cimento com brita e areia. Pronto para usar, o fundo do forno é preenchido com brasas que fazem a temperatura interna chegar a 500ºC:
No tandoor ele assa pães ("colando" a massa aberta na parede) e, fincados em espetos, cordeiro, frango, peixe, camarão e queijos. Segundo ele, a gordura que pinga dos alimentos e atinge as brasas ajuda a perfumar as receitas.
Por tudo isso, Bhagwan, sua filha e o restaurante são um exemplo admirável de força de vontade. Só falta ir lá para comprovar na prática se o bom trabalho que vem fazendo não está restrito a chutneys e samosas. A conferir.