terça-feira, 23 de março de 2010

O chato e o enochato

Há algum tempo venho pensando em escrever algo sobre como é chato ser chamado ou chamarem alguém (injustamente, é claro) de enochato. Isso, sim, é extremamente chato. Aí apareceu o Josimar Melo, crítico de gastronomia da Folha de S. Paulo, e escreveu semana passada em seu blog um texto no qual assino embaixo. A postagem é do dia 14 de março. Procurem lá e leiam. Vale a pena.

Se alguém sente prazer identificando cores, texturas, aromas e sabores disso e daquilo no vinho, qual é o problema? Por que essa pessoa tem de ser vista como chata pelas demais? Por que não respeitar isso? Todos tem de ser iguais em tudo, por acaso? É claro que não estou aqui fazendo a defesa da figura inconveniente que sempre aparece de taça na mão numa festa, reunião informal ou restaurante e aborrece quem está por perto jorrando incontrolavelmente seu conhecimento sobre vinho. Esse é realmente um chato.

Inclusive, não há lugar-comum mais cansantivo no mundo da gastronomia do que as gozações esterotipadas que têm como alvo o tal enochato. Sabe aquelas expressões do tipo "cheiro de couro de cavalo depois da chuva no sudoeste da França"? Pois é... Já cansei de ouvir essas piadinhas por aí. Já não têm a menor graça.

Mas se sinto prazer com vinho do meu jeito, sem perturbar ninguém, e se gosto de dividir minhas impressões com quem aprecia a bebida da mesma maneira, o que há de errado? Também não posso ler, assistir a programas e estudar sobre isso? Implicar desse jeito é que é chato demais. Termino com a frase do Josimar no final do post: "Vamos com calma. O elogio da ignorância sim é uma chatice. E perigosa".

12 comentários:

  1. Dudu,

    teve uma entrevista sua, acho que com o cara que escreveu a Larousse da Cerveja, que ele comete exatamente essa falta de elegância de criticar quem bebe vinho. Até nos comentários eu disse algo na linha do conteúdo do seu post.

    Mas aqui vai uma pergunta: piadas do tipo "cheiro de couro de cavalo depois da chuva no sudoeste da França", algum dia já teve graça? (rs)

    Abs,
    Gui

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  2. Oi, Gui.

    Sim, me lembro desse episódio e do seu comentário. Certamente o Ronaldo se referiu o enochato de fato, ou seja, ao apreciador inconveniente e detestável. Não acredito que ele cometeria uma gafe dessa na defesa dos apreciadores de cerveja. Não há motivos para ele angariar essa antipatia.

    A julgar pelo tanto de gente que faz esse tipo de piada, ela ainda deve ter alguma graça. Não sei qual, mas tem. Para mim, nunca teve graça. Aliás, evito me valer desse tipo de brincadeirinha batida, seja o motivo qual for.

    Aliás, acho que já andamos falando sobre isso, não?

    Abraços.

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  3. Du,

    Concordo com seu texto (e, obviamente, com o do Josimar), e permito-me um comentário.

    Parece-me que contraste entre conhecimento acumulado e ignorância não raramente faz surgir faíscas. Não creio que seja privilégio dos vinhos. A ignorância é um estado que pode ativar mecanismos estranhos de defesa, como a tentativa de ridicularizar, e às vezes contra-ataques, como uma relativa pedância.

    Creio que quanto aos vinhos a coisa se tornou especialmente evidente vez que conhecer vinhos em um país de quase nenhum hábito de consumo ainda soa, como regra geral, pedante. Assim, qualquer comentário, por mais inocente que seja, de um enófilo, corre sempre um risco grande de chegar a muitos ouvidos com uma enorme carga de arrogância. O que é uma pena.

    Acho que talvez esteja aí a razão do sucesso do termo "enochato".

    Mas ao mesmo tempo nunca vi muitos conhecedores de vinho dispostos a sair deste dialelo, superando o momento inicial de embate para tentar um diálogo aberto, gostoso e amplo, até para arrebanhar mais interlocutores. Parece existir, talvez, uma reação de manutenção de um status relativamente elitizado para o tema. Sei lá.

    E, enquanto não se abre o diálogo, as piadinhas do elegante aroma do "último morango selvagem do bosque da margem esquerda da foz do Loire" continuarão a "divertir" ignorantes e "irritar" conhecedores, não acha?

    Eu, como ignorante não elogioso da minha própria condição em matéria de vinhos, confesso (não sem auto-censura) um esboço de risada com o "couro do cavalo depois da chuva"... Talvez seja só um esboço de risada por que não sou tão ignorante assim. Ou mesmo uma simples risada da caricatura, que, como tudo na vida, pode ser bem ou mal feito.

    Enfim. Post intrigante, me fez refletir. Bravo!

    E deu até vontade de tomar um vinho.

    Abs.

    Pedro

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  4. Pedro,

    você tem razão no que diz. Como o Josimar soube ilustrar bem, por que não existe, então, o "cinechato"? Esse atrito não é, de fato, exclusividade do mundo do vinho, mas, como você mesmo disse, os hábitos brasileiros ajudam a criar esse ambiente hostil. Às vezes penso que o orgulho (esse sentimento por vezes tão idiota) impede que ambos os lados deem o braço a torcer. Faz sentido? É que ninguém parece disposto a conversar e conhecer um pouco o universo do outro. Parece mais confortável que cada um fique em sua torre de ignorância - ou pedantismo, conforme o lado. Sim, infelizmente essas piadinhas infames continuarão em alta por algum tempo, enquanto esse sistema de desrespeito mútuo continuar a funcionar. Irritando e divertindo, irritando e divertindo, irritando e divertindo...

    Combinemos um vinho, então!

    Abraços.

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  5. o que acontece (na minha opinião) é que essa coisa de prazer é algo que muitas vezes passa longe da experiência do comum. é da ordem do particular. individual.
    uma coisa interessante é que, se pararmos para analisar as descrições dos enologos... vamos perceber que as descrições são sempre atreladas à atores da memória afetiva do sujeito. assim, descrições como: "o cheiro de couro de cavalo, depois da chuva no sudoeste da França", acabam se tornando reais e válidas. isso... pois a experiência é única e, antes de tudo, subjetiva. Tá certo que o chato vai ser chato mesmo... mas vamos combinar, né? o que vale é se permitir.

    dimas.

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  6. Pois então, Dimas! Por que não deixar o sujeito aproveitar seu próprio vinho numa boa? Se quiser ficar rodando taça, se inebriando com os aromas, analisando o líquido contra a luz, fazendo biquinho para sorver o líquido e meditar uma hora em torno da mesma taça, qual é o problema? O que não pode é o sujeito fazer disso uma regra e ficar impondo comportamentos ou julgando os diferentes. Aí é enochato mesmo!

    Abraços.

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  7. Girão,

    Li o texto do Josimar, mas acredito que o problema é que o vinho, assim como outras coisas, atrai certos tipos de pessoas chatas para caralho. Vivemos em um país de merda e sujeito gasta o horário que tem para se educar lendo orelha de livro sobre vinho para poder arrotar depois que comprar garrafas na promoção.

    O foda é que muitos desses enochatos nem curtem o vinho de verdade. Gostam de “curtir” com o vinho.

    Usam isso como aparência e não como essência. São os mesmos tipinhos que pagam o show caro da ocasião ou a patacoada da vez para serem vistos e não para assistirem. Isso acontece com vinho, assim como os endividados com as 80 parcelas do SUV da moda.

    Uma boa ideia, que aliás acho que faria você repensar sua posição, é freqüentar um desses cursos de aprendizado de vinho ministrado em shoppings e afins com nossa bestial classe média. Mas eu não recomendo, pois sou seu amigo e lhe desejo coisas boas.

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  8. Vinho é a única bebida que eu não daria o primeiro gole para ninguém. As outras eu sempre acho que deveria ter um chato para ingerir a tal primeira bicada: tipo whiskey, cachaça, etc...affff. Não sou ativa nesta arte, mas sei bem que é bom. É isto: sem rodar taça, fazer biquinho, cheirar e não sei mais o que....Fico na minha mesmo..
    Abraços,
    Luciene Martins Rêgo

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  9. Amigos, eu, na minha ignorância "enofílica", acabo me divertindo muito com as piadinhas antipáticas aos verdadeiros enófilos, quanto às mais inesperadas e inusitadas descrições de cheiros, sabores e texturas.

    Muito provavelmente eu mesmo já vesti a carapuça do ignorante e disparei um "notas de cerejas orvalhadas do final do outono da Normandia" ao compartilhar um gole de vinho com os senhores (talvez na Serra depois da trigésima taça de outros vinhos).

    Creio que toda demonstração de extrema sofisticação, como as feitas pelos enólogos, são, de fato, uma "lapada" nos ouvidos daqueles que vivem na mais profunda treva relativa ao assunto, principalmente quando o assunto é o conhecimento de uma bebida que nem todos tem acesso. Lembre-se que as texturas, sabores e aromas mais interessantes na imensa maioria das vezes somente são alcançadas em vinhos elaborados e caros.

    O que eu não entendo é a necessidade do ataque do ignorante aos "connosseurs". E daí que você não conhece vinhos profundamente?! Não há razão para se sentir ofendido!

    Me parece que o mundo levou a competição às últimas consequências e esse ideal do "homem multifacetado" acaba acirrando esta intolerância com a demonstração de conhecimento alheia. Hoje em dia, as pessoas se sentem extremamente inferiorizadas em não serem profundos conhecedores de alguma coisa, por mais frugal que o tema seja.

    Eu, como bom ignorante que sou (sem apologia à minha ignorância), acabo vendo na extração de descrições "polidas" das características de um vinho um passa-tempo lúdico. É uma oporunidade de exercitar minha criatividade e me diverte muito.

    Então, por favor, da próxima vez que formos tomar um vinho (e vai ser em breve) não torça o nariz caso eu deixe escapar mais uma releitura batida da piadinha infame. O faço no mais auto grau de leveza, brindando o estado inebriante que a bebida nos causa.

    Grande abraço.

    Thiago

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  10. Daniel,

    entendo o que você quer dizer, mas não acha que o vinho é simplesmente um canal para os chatos se expressarem, assim como carros, moda, futebol ou charutos? Tem gente que realmente ama carros, por exemplo, mas tem gente que compra uma pitomba de uma caminhonete só para "curtir" com ela. Entende? E assim acontece com várias outras coisas, inclusive gastronomia. Dado o nosso contexto histórico e social, o vinho talvez represente a chance de o chato migrar para um universo realmente mais complicado de entrar, mais do que o dos carros e do futebol, por exemplo. Ele se torna fluente num "idioma" dominado por poucos. Aí voltamos ao que disse o Josimar: o problema não é o vinho (ou o carro, ou o futebol etc), mas o chato! Chato é chato! Basta que o chato escolha por meio de que se tornará chato!

    Abraços.

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  11. Luciene,

    se quiser ficar na sua com seu vinho, ótimo. Mas se você quiser rodar a taça e fazer biquinho, que você tenha a liberdade de poder fazer isso sem ser intimidada! Cada um que cuide de sua própria vida, não acha?

    Abraços.

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  12. Thiago,

    agora que já me avisou que tipo de intenções estão por trás das suas piadinhas infames, não haverá problema em fazê-las na próxima vez em que abrirmos uma garrafa de vinho! Que seja logo, então!

    Abraços.

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