Sebrae/Divulgação
Domingo será publicada matéria minha no EM Cultura sobre três lançamentos de livros de gastronomia: A formação da culinária brasileira (de Carlos Alberto Dória / Publifolha / 88 páginas / R$ 12,90), Gastronomia no Brasil e no mundo (de Dolores Freixa e Guta Chaves / Senac / 304 páginas / R$ 55) e Elementos da culinária de A a Z (de Michael Ruhlman / Zahar / 292 páginas / R$ 47). Tentei falar com os autores dos dois primeiros títulos, mas só consegui falar com o Dória, que sempre rende entrevistas ótimas. Recomendo a leitura do post dele a respeito do livro, antes da entrevista de hoje a tarde, que foi assim:
Como vê a atual diversidade de estilizações da culinária brasileira?
Vejo essa diversidade como algo positivo. Acho que é cedo para dizer qual vai prosseguir, desdobrar ou parar. O caminho mais difícil é, seguramente, o experimental, do Alex Atala e do Felipe Ribenboim, por exemplo. São os mais difíceis, de maior risco. Mas soube que existem vários outros restaurantes que estão para pintar por aí, então, talvez essa classificação seja muito provisória mesmo e a gente tenha de revê-la.
Isso está restrito à São Paulo?
Acho que sim. Não consigo ver isso em outros lugares. No Rio de Janeiro, mesmo pessoas como a Teresa Corção (do restaurante O Navegador) têm limitações do público em receber esse tipo de proposta. Ela não consegue fazer um restaurante só com cardápio brasileiro. Não é fácil, haja vista a dificuldade do próprio Alex Atala ao fazer uma culinária do tipo doméstico no Dalva e Dito. Ele sofreu muitas críticas. Quando se faz um feijão, as pessoas sempre acham que o delas é o melhor. Não há um padrão público. É algo que está fora da curva da gastronomia, está no plano das coisas domésticas. E as coisas domésticas são todas singulares. Sua mãe cozinha certamente melhor que a minha e eu acho o contrário.
Há algum cenário em que exista a possibilidade de a cozinha brasileira se afirmar para o mundo?
A matéria que o repórter do The New York Times escreveu sobre as visitas que fez a restaurantes brasileiros é sintomática. Por que os norte-americanos estão se interessando por isso? A IstoÉ me ligou essa semana, pois está fazendo uma matéria. Ou seja, o tema está ficando quente. Isso é bom.
O que você vê de errado na maneira como o turimo trata a gastronomia no país atualmente?
Acho que quanto menos caricato, melhor. À medida que se caricatura, supõe-se que está atraindo gente, mas está afastando. Essas receitas tradicionais não são de agrado geral. É o caso do vatapá. Aquela coisa de dendê, muito leite de coco, é muito difícil. Acho que cada vez terá um público menor. Se você deixa a coisa mais frouxa, em termos de receitas, e trabalha mais em cima de ingredientes e das manchas regionais dos ingredientes, deixando os chefs interpretarem isso livremente, favorece o turismo. Imaginar que existe um lugar com certa criatividade culinária tende a atrair mais.
Se pesquisas mostram que os pratos regionais não são mais tão consumidos entre a população, o que o futuro lhes reserva?
São referências cada vez mais mitlógicas. São cada vez mais rituais, de situações especiais. Dificilmente podemos imaginar isso se expandindo. Em qualquer lugar existe uma culinária desativada. Estive na região da Serra da Canastra e fizeram para mim um doce chamado joão deitado. É super interessante. Por que ele não tem existência corrente? Porque compete com muitas outras coisas, é preciso solicitar, puxar. Essas coisas não se sustentam livremente. Essa é a questão da culinária brasileira: ela não fica em pé sozinha. Fui para a região do Cariri, no Ceará, e os caras lá estão comendo camarão a 400 quilômetros da costa. Quem leva isso para lá? São os turistas. A culinária que existe é a que está encarnada nas pessoas. Não é por um apelo nacionalista que a coisa vai perdurar. A comida precisa ser gostada, desejada, praticada.
Sertão e cerrado são as últimas fronteiras brasileiras do ponto de vista gastronômico?
Eu acho. Do mesmo jeito que a colonização e todo processo econômico da época se deram na costa, o processo ideológico e simbólico, do ponto de vista culinário, também. O sertão não existe para a nação. Goiás adentro e todas essas regiões da pecuária, que vão do Rio Grande do Sul as franjas da Amazônia, não têm uma culinária conhecida, apesar de ser variada e rica. Há dificuldade até em identificá-la. Não há pessoas fazendo uma classificação dessa culinária de forma sistemática. Quem escreve sobre isso? Quem pratica isso? Pequi, cabrito, carneiro, galinha caipira e esses grandes ingredientes que são mais ou menos gerais, a gente vê, mas quando se cai num nível menor... Outro dia vi uma baunilha do cerrado, que tem a grossura de uma banana. Uma coisa impressionante, mas que não tem lugar na culinária. Há muito o que descobrir. A diversidade do cerrado, quantitativamente, é maior que a da Amazônia. Mas é uma diversidade de outro tipo, pois muitas formas de vida são subterrâneas, por causa do calor.
Se a cozinha miscigenada é um mito, o que é, então, a cozinha brasileira?
Não sei se é um mito. Talvez seja um novo mito em construção. O que não precisamos mais é daquela supressão mitológica das relações de dominação que havia entre índios, negros e brancos. Quando o modernismo fez esse mito, apagou as relações de dominação e resolve o problema do ponto de vista ideológico. Hoje não precisamos mais disso. Nossa sociedade é diferente, há uma valorização do multiétnico etc. Então, acho que a crise da culinária brasileira está na busca por uma nova síntese, um novo ponto de equilíbrio que possa ser reconhecido como nossa maneira de comer.
Olá Eduardo!
ResponderExcluirDescobri seu blog essa semana e já virei adicionei aos favoritos.
Já acompanhava outros, mas nenhum daqui de BH.
Já visitou o COMES E BEBES do Marcelo Katsuki? E o DESTEMPERADOS, dos meninos lá do Sul? Gosto muito também do DIRETO DO RIO, do Bruno Agostini.
É isso aí, depois escrevo mais e continue escrevendo por aí.
Abraço,
Oi, Guilherme!
ResponderExcluirMuito obrigado pela visita. Seja bem vindo. Comecei o blog em março e ainda estou me adaptando. Dos blogs que você citou, só não conhecia o Destemperados - vou visitá-lo. Obrigado pela dica. Sugestões, críticas, comentários e dicas são sempre bem vindos, ok? Abraços.
Pode deixar, Girão!
ResponderExcluirDepois vou ler post por post.
Ah, pra começar eu concordo com a sua opinião sobre o KAOL. Pra mim, é algo parecido com o que acontece com o Macarrão do Bolão. Os 2 já tem uma certa fama, mas vale a pena visitar por toda esta mística...
Depois, faz um post sobre os bares e restaurantes que ficam aberto de madrugada!
Ah, e visita o blog da Constance Escobar também.
Abraço,
Pois é, Guilherme. Mexer com "medalhões" como o Palhares, Cantina do Lucas, Casa dos Contos e Bolão é sempre mexer em vespeiro. Como são lugares amados por muita gente, criticá-los é tarefa delicada, pois os fregueses nutrem sentimentos por eles. Mas tradição e sentimentos não tornam esses lugares acima do bem e do mal, concorda? Merecem respeito como qualquer outra casa da cidade.
ResponderExcluirSobre a madrugada: um taxista me disse certa vez que existe um restaurante ótimo dentro do Mercado Novo, no Barro Preto. Segundo ele, os cozinheiros chegam de madrugada para preparar o prato do dia e abrem as portas por volta das 2h, 3h da manhã. Não sei bem quem é a freguesia. Nunca fui para conferir. Mas irei, não há dúvida. E, quando for, contarei aqui como foi a experiência.
Abraço.
É isso mesmo, Girão (eu digito Girão, mas mentalmente só penso Tristão).
ResponderExcluirOlha só. Fiquei curioso, se tiver a oportunidade vou passar lá no Mercado Novo também. Mas do mesmo jeito fico aguardando a sua experiência.
E pode anotar mais um seguidor para o seu blog. Agora são 6, não é?
Vou te alugar muito por aqui...
E só uma dica: veja se nas configurações da ferramenta do Blogspot, se tem como atualizar o fuso horário.
O horário dos post e comentários estão atrasados.
; )
Seja bem vindo a minha "igreja"! Se você aderir, será o nono da lista. Obrigado pela dica do fuso horário!
ResponderExcluirAbraços