terça-feira, 6 de abril de 2010

Cerveja com o quê?



Brooklyn Brewery/Divulgação


Dias atrás esteve em São Paulo o mestre-cervejeiro da norte-americana Brooklyn Brewery, Garrett Oliver. Aparentemente uma autoridade em cerveja nos Estados Unidos, é autor dos livros The Good Beer Book (com Timothy Harper; Putnam/Berkley Books, 1997) e The Brewmaster's Table: Discovering the Pleasures of Real Beer with Real Food (HarperCollins, 2003). Ele veio para o lançamento das cervejas da marca no país e ministrou aula no campus Santo Amaro do Centro Universitário Senac, na capital paulista. O que mais me chamou a atenção foi a ênfase no que pareceu ser a sua especialidade: harmonização entre cerveja e comida. Daí eu ter mandado para ele as perguntas abaixo:


Ainda hoje há muita gente resistente em relação a ideia de harmonizar cerveja com comida. Como você convenceria essas pessoas do contrário? O que faz da cerveja uma boa bebida para a harmonização com comida?
Eu me considero um entusiasta de vinhos, mas é fato que a cerveja tem uma gama de aromas e sabores mais ampla que o vinho. A razão é bastante simples – cozinhar é mais parecido com fazer cerveja do que com fazer vinho. Podemos usar maltes que são tão torrados como grãos de café ou chocolate e trazer esses sabores para a cerveja. Podemos usar temperos aromáticos e açúcares. Podemos defumar o malte e trazer esse sabor para a cerveja. A cerveja pode ter sabor de qualquer ingrediente da culinária e isso a faz uma bebida superior para harmonizações.


As regras de harmonização do vinho também são aplicáveis a cerveja? Há diferenças expressivas?
A base é semelhante – primeiro, precisa equilibrar a intensidade da cerveja com a da comida. Uma não deve se sobrepor à outra. A cerveja sempre vai contrastar com a comida pelo amargor e a carbonatação. Mas adicionalmente podemos ter harmonizações maravilhosas. Alguns tipos de lúpulos tem cheiro de limões e limas - podemos usá-los com pratos cítricos. Cervejas com sabores defumados e caramelizados são ótimas com churrascos e feijoadas porque harmonizam com esses sabores presentes na comida. O vinho simplesmente não é capaz de fazer isso - não há sabores torrados e caramelizados nos vinhos.


Há harmonizações em que a cerveja se sai melhor do que o vinho? Por que?
Vinhos tendem a não ir muito bem com comidas apimentadas – pimentas fazem o álcool no vinho parecer quente de uma maneira desagradável. Já as cervejas lupuladas fazem grande par com pratos apimentados. E, como mencionei anteriormente, temos uma grande gama de sabores nas cervejas. Não precisamos necessariamente limitar a harmonização de uma sobremesa doce com um vinho doce. Podemos harmonizar uma torta de chocolate com uma cerveja encorpada muito achocolatada ou com uma cerveja feita com framboesas e ter um ótimo contraste. As possibilidades são infinitas. Queijo é outra área onde a cerveja é melhor – alguns dos melhores livros sobre vinho admitem isso. Eu muitas vezes participei de degustações de queijos que chamamos de "cheese wars" - vinhos contra cervejas na combinação com grandes queijos, onde desafio um bom sommelier para um embate em frente à uma audiência. Já fiz essas degustações muitas vezes e a cerveja sempre ganha.


Como é a aceitação da harmonização de comida e cerveja pelo público e chefs nos Estados Unidos? Há tendências identificáveis?
Muitas organizações e associações de restaurantes no Estados Unidos identificam a cerveja artesanal como uma das grandes tendências a partir de 2010. Cervejas saborosas são o novo grande luxo acessível. Fizemos uma cerveja especialmente para Thomas Keller, que é um dos grandes chefs nos Estados Unidos. Seus restaurantes, The French Laundry e Per Se, tem três estrelas no guia Michelin. Nós trabalhamos com muitas pessoas que são referências na culinária de vários países. Curiosamente, são os chefs mais renomados os mais fáceis de trabalhar porque são altamente criativos. Eles não tomam conhecimento de limitações e dão às pessoas novas combinações e sensações. Com cervejas você pode fazer isso, então eles ficam bastante entusiasmados com as cervejas artesanais.

12 comentários:

  1. Excelente entrevista, Eduardo. Concordo com o Garrett, mas falta muito para a mentalidade das pessoas mudarem. Por puro desconhecimento, muitos acham que servir vinho é que é "chique", e torcem o nariz para a harmonização com cervejas. Fiz um curso de harmonização no Verdemar com o Felipe Viegas, e fiquei encantada ao descobrir a maravilha da combinação entre o chocolate e a Falke Ouro Preto. No dia 24 farei outro curso com ele, lá na Taberna do Vale. Abs.

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  2. Clara,

    mesmo que a cerveja esteja "na geladeira do pobre e no frigobar do iate", como bem disse o Josimar Melo, o preconceito ainda é muito grande. Todo mundo toma cerveja, todo mundo adora e há cada vez mais gente encantada com a diversidade de estilos, mas na hora de assumir a bebida, de levá-la a sério... Temos de encerrar a era da cerveja na mão da loura de biquini!

    As cervejas da Falke são demais, né?

    Abraços.

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  3. É verdade, espero que essa realidade mude logo, porque as pessoas não sabem o que estão perdendo. Aqui em Minas somos privilegiados por termos tantas excelentes cervejas artesanais. Morro de vontade de conhecer a fábrica da Falke. Abs.

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  4. Clara,

    se tiver, não perca a oportunidade de visitar a fábrica da Falke. É um programaço para quem gosta de cerveja. O trabalho deles é muito bom e muito sério. É um privilégio ter uma fábrica como essa aqui em Minas. Se não me engano, eles recebem grupos por lá de vez em quando. Já tentou ligar lá?

    Abraços.

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  5. Ouvi falar mesmo que eles agendam a visita de grupos.. Vou ligar para saber, obrigada.

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  6. Ótima entrevista realmente! Abçs.

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  7. Caro Eduardo,
    Gostei da ótica do expert entrevistado.
    Acho que estamos despontando nessa área.
    Prova disso é talentoso Juliano Caldeira.
    Do Rima dos Sabores, "exotic food" de BH.
    Além das carnes diferentes, aventurou-se.
    Ele já está fazendo até umas cervejinhas.
    Dentre outras uma com água de coco, pode?
    Provei e posso dizer que ficou muito boa.
    E como o Brasil é o país da criatividade:
    Por aqui mesmo experimentei duos ímpares.
    Como por exemplo: cerveja com charuto.
    Se duvidar, pergunte ao Rui do Kahlua.
    Sincero abraço,
    MARCELO BRANDÃO

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  8. Marcelo,

    o pessoal da Falke Bier também já fez harmonizações, mas das cervejas deles com charutos da Saar Tobacco, na Contorno com Bahia. Fiz até uma matéria a respeito na época. Segue o link dela: http://www.falkebier.com.br/clipping/clipping_22.html.

    Abraços.

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  9. Eduardo,
    Bacana demais!
    Perdoe-me minha santa ignorância.
    Mas ainda não fui ao Saar Tobacco.
    Não havia por ali um Boca de Pito?
    Lembro-me do endereço, além desses:
    Antônio de Albuquerque e Alagoas.
    Ou será que fiz confusão?
    Grato pela valiosa dica.
    Cordial abraço,
    MARCELO BRANDÃO

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  10. Marcelo,

    se não me engano, o Boca de Pito fica no shopping 5ª Avenida. Não é isso? O Saar fica na Contorno, quase esquina com Bahia, entre aquelas pequenas lojas que ficam ao lado daquele prédio novo enorme.

    Abraços.

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  11. Eduardo,
    É isso mesmo, está certíssimo.
    Eu é que preciso de um GPS...rs
    Grato outra vez mais.
    Abraços,
    MARCELO BRANDÃO

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