sexta-feira, 12 de março de 2010

O endereço mais comentado de BH

Se você acha que vou falar de um medalhão como Vecchio Sogno, Xapuri ou Taste-Vin, está enganado. Se acredita que este post vai tratar de um dos novos (e bons) bares da cidade, tipo Braca e Armazém Medeiros, também errou. Mas se a aposta é numa dessas novas casas de bom custo/benefício, como Piacenza ou 2010, você acertou sem querer: é uma casa que, sem essa intenção explícita, está se tornando uma das principais referências do gênero. Ou seja, elogiam a comida e os preços. Já era para ter postado sobre ele há mais tempo, mas fui atropelado por outras prioridades e só hoje consegui parar para fazê-lo. Falo de um fenômeno chamado Buffet Bhagwan.

Fiquei sabendo da existência desse restaurante na coluna do amigo Rusty Marcellini. Liguei para ele para saber de mais detalhes e não tardei em visitar a casa e escrever matéria para o caderno Divirta-se, publicado no início de fevereiro. Para quem ainda não sabe do que se trata, aí vai um resumo: o chef e proprietário da nova casa é o indiano Bhagwanasinh Dhyanasinh Keintura (Bhagwan daqui para frente, combinado?), que trabalhava no restaurante Maharaj, aquele inaugurado em 2007 na mesma casa em que funciona o Consulado da Índia. A especialidade era comida indiana, claro. Pois Bhagwan resolveu ter seu próprio negócio e se mandou com a cara e a coragem para o bairro Sagrada Família. Vista do lado de fora, mal dá para acreditar que a casa esteja fazendo tanto barulho assim...


Mas está. Do início do ano para cá não pararam de pipocar pela internet referências (praticamente todas positivas) ao restaurante, principalmente de blogueiros da cidade. Confiram algumas:

- Adrina recomenda "muito mesmo" o restaurante em seu À cata de palavras e quer voltar para experimentar o camarão ao curry e coco
- Renata Alves, uma das autoras do Oblog, não vê a hora de voltar e postou instigante imagem do arroz frito com especiarias
- Em seu Augusto no Buteco, Augusto avaliou a casa como sendo de "excelente relação custo x benefício" e puxou a orelha do Bhagwan no quesito atendimento
- Clara Bello ainda não visitou a casa, mas parece querer fazê-lo, como mostra em seu Quitutes Gourmet

Me limitei aos blogs, mas há muito mais referências escondidas em comentários de blogs, em links que aparentemente não funcionam (mas parte do conteúdo é visível na pesquisa que fiz no Google) e em pequenos anúncios em sites comerciais.

Bhagwan não está sozinho nessa. Assim que saiu do Maharaj, chamou a filha, Rukamani para ajudá-lo. Como chegou da Índia há poucos meses, ela ainda não domina o português, embora já o compreenda com alguma clareza. Um desses blogueiros recentemente relatou que durante visita a casa o atendimento fluiu melhor em inglês. Eis a dupla:


Não vou ficar aqui falando, falando, falando sobre o restaurante. Além de já tê-lo descrito na minha matéria, ainda não tive oportunidade de retornar a casa com calma (e como pessoa física) para provar pratos e avaliar atendimento, ambiente e tudo mais. Mas ando muito curioso a respeito e creio que não demorar para acontecer. Contarei aqui, como de costume. Na ocasião da visita para escrever a matéria, porém, Bhagwan não me deixou sair de lá sem provar sua gostosa samosa, servida com os bons chutneys de coco, tamarindo e mamão que ele mesmo faz no restaurante:

Mas como ia dizendo, este post não terá infomações básicas da casa, pois aproveitarei a oportunidade para mostrar interessantes detalhes do restaurante que ficaram de fora da minha matéria. Por exemplo, um dos dos aspectos que mais chama a atenção é a simplicidade do lugar, resultado da falta de recursos do próprio Bhagwan. Ele é um empreendedor independente e sem consultores ou sócios; não tem bala na agulha para construir um Maharaj. Então, faz o melhor que pode com o pouco que tem. E se, mesmo assim, está conseguindo atrair público expressivo para um bairro sem tradição em termos de gastronomia como o Sagrada Família, temos de tirar o chapéu para ele.

A simplicidade está nos jogos americanos sobre as mesas...


... nas humildes estampas indianas que, esticadas e emolduradas, se transformam em quadros e ajudam a criar um clima...


... e no cartaz colocado sobre a porta de entrada para recepcionar os fregueses...


Todas elas formas singelas e autênticas de demonstrar cuidado e gentileza. No fundo, é isso que importa. Falo de demonstrar intenção. Quantas vezes vocês não se sentiu desrespeitado ou até mesmo ignorado em restaurantes finos ou bares da moda? São situações que despertam a nossa ira e estragam nosso programa. Bons serviços e boa comida não são exclusividade de casas com muitos cifrões. Definitivamente. Andam dizendo que Bhagwan e sua filha estão derrapando no quesito atendimento. Então, aí vai meu recado: se vocês dois estão ganhando a confiança dos fregueses (processo difícil, lento e contínuo), não a joguem fora!

Depois de um tempo, a gente se acostuma ao jeitão do lugar. Ou vão me dizer que esse ambiente não é simpático?


Ah, faltou falar do forno! Como bom indiano, Bhagwan não poderia deixar de usar o tradicional tandoor, espécie de forno cilíndrico feito basicamente com argila. A grosso modo, o tandoor está para a cozinha indiana da mesma forma que o fogão a lenha está para a cozinha mineira. Um está intimamente ligado ao outro. Como aparentemente não há como comprar um forno desse por aqui, a solução foi... botar a mão na massa!

No melhor estilo "quem não tem cão caça com gato", ele comprou um latão de óleo no Jair Óleos (sim, aquela famosa loja de troca de óleo em carros) e fez seu próprio tandoor. Vejam:


Esse era o tandoor da época em que fui ao restaurante. Digo isso porque Bhagwan me contou que essa era sua quarta ou quinta tentativa de fazer um forno desse tipo para a casa: a cada uma, mudava algo no padrão de construção para evitar que quebrasse. O chef já torrou mais ou menos R$ 1.000 com tudo isso. Os primeiros ele fez com vasos de planta, mas não deram certo. Depois tentou fazer só com argila. Agora passou a utilizar uma mistura de argila e barro com a qual reveste um tambor de plástico:


Leva entre 15 e 20 dias para secar. Feito isso, esse molde é colocado dentro de um tambor de metal, que recebe ainda uma camada de cimento com brita e areia. Pronto para usar, o fundo do forno é preenchido com brasas que fazem a temperatura interna chegar a 500ºC:


No tandoor ele assa pães ("colando" a massa aberta na parede) e, fincados em espetos, cordeiro, frango, peixe, camarão e queijos. Segundo ele, a gordura que pinga dos alimentos e atinge as brasas ajuda a perfumar as receitas.

Por tudo isso, Bhagwan, sua filha e o restaurante são um exemplo admirável de força de vontade. Só falta ir lá para comprovar na prática se o bom trabalho que vem fazendo não está restrito a chutneys e samosas. A conferir.

12 comentários:

  1. Eduardo, que honra ser citada por você. Olha, eu ando meio cansada de atendimento e ambiente pomposo e comida ruim, e achei a proposta deles muito legal. Acho que o pessoal só precisa ajustar o atendimento, contratando talvez um garçom mais experiente. O carneiro é ótimo e os chutneys, muito bons. Enfim, quero voltar mais vezes. Abraço!

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  2. Ei, Eduardo, obrigada pela citação. O seu texto só aumentou a minha vontade de conhecer a casa. Lugares como este são mais autênticos do que qualquer outro. Temos que prestigiar empreendedores do mundo da gastronomia que, mesmo sem "bala na agulha", conseguem servir uma comida de altíssima qualidade, e se arriscam pelo amor ao que fazem. Dá para ver que é o caso do Bhagwan, que já gastou uma nota mas não desiste de ter o seu tandoor.. Abraços.

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  3. Adrina e Clara,

    eu é que agradeço por ter leitoras como vocês. Poder citá-las aqui neste blog é um prazer! Deslizes com atendimento a parte, o esforço do indiano me parece realmente inspirador. Prestigiemos Bhagwan, então! Assim que voltar de lá (logo, logo), contarei aqui como foi.

    Abraços.

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  4. Oi Dudu!

    Lá é perto do nosso ap novo. Eu e Marcela já estamos programando de ir lá. Se animarem, um dia marcamos de ir juntos. Depois podem ir conhecer o nosso ainda não-acabado canto.

    Ah, estivemos ontem no Empório Árabe (o novo, da Contorno). Como você postou aqui, resolvi dar um feedback. O atendimento foi muito ruim, durante toda noite. Eu ia provar o sanduíche de kebab, mas todo mundo que comeu falou mal, aí resolvi não arriscar. O kike frito estava muito bom, como é de praxe das outras casas dele.


    Abs,
    Gui

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  5. Oi, Gui.

    Sim, vamos combinar uma ida ao Bhagwan. Estou curiosíssimo a respeito.

    Puxa, que pena que sua experiência foi ruim lá. Quando fui (dia de semana, na hora do almoço), o atendimento foi bom, porém a casa estava bem vazia. Só comi o kebab, que não deixou grandes lembranças, mas também não foi decepcionante. Sim, o quibe da rede costuma ser decente. Ao menos isso, né?

    Abraços.

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  6. Então, Du, fui ao Bhagwan!

    Achei a comida e o ambiente incríveis.

    De entrada comemos uns samosas e chutneys bem bons, um naan (aquele pão chato) delicioso, quentinho, com manteiga derretida e gergelim.

    Depois atacamos um cordeiro indicado pela simpática Rukamani que estava muito bom.

    Ainda provamos o Lassi (bebida com iogurte e frutas), que estava ótimo.

    O cardápio inteiro é uma tentação! Fiquei com muita vontade de voltar e experimentar tudo...

    Alguns senões: o refresco radioativo de água de rosas, que, tal qual o arroz condimentado, tem uma cor inexplicavelmente elétrica. Acho que são parentes próximos do sorvete de pistache-marca-texto, mas na versão laranja. Dá medo, e o gosto de ambos não é lá essas coisas.

    Mas o que me incomodou mesmo foi a falta total e absoluta de picância nos pratos que pedimos. Acho que na tentativa de agradar o paladar brasileiro os pratos perderam na personalidade. Da próxima vez vou pedir pra eles "capricharem" na pimenta...

    De todo modo a indicação foi ótima e o lugar é merecedor do frisson todo...

    Vamos marcar de voltarmos lá juntos.

    Valeu!

    Abs.

    Pedro

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  7. Oi, Pedro.

    Que ótimo ter seu relato aqui! Será útil para os que chegarem ao blog em busca de mais informações sobre a casa.

    Você não é o primeiro a falar sobre a falata de ardor nos pratos. Dúvida Tostines: será que vende mais porque não tem pimenta ou não tem pimenta porque assim vende mais?

    O fator "marca-texto" é algo que me irrita profundamente em qualquer tipo de estabelecimento. Por sorte é algo fácil de corrigir. Basta tirar da receita, já que na maioria dos casos corante não dá sabor.

    Sim, podemos combianr de ir lá juntos.

    Abraços.

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  8. Do caralho esse restaurante. Vou lá essa semana.

    Daniel

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  9. Daniel,

    só não recomendo porque ainda não fui. Mas pelo tanto que o lugar tem sido falado na cidade e por todos os comentários acima, dá para tirar algumas conclusões antecipadas.

    Parabéns pelo Blog do Rolimã! Se te serve de termômetro, seu blog ocupa a décima posição no ranking dos que mais me enviam visitantes. Muito obrigado! Sucesso para todos nós!

    Abraços.

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  10. Eduardo, parabéns pelas matérias (do jornal e do Blog)! Você tem um jeito todo especial de discrever os elementos, dando valor às ideias e talento das pessoas, por mais simples que pareçam ser. Notei as mesmas características nas reportagens especiais sobre os bares da avenida Fleming, da Pampulha. Com um olhar antropológico, vc soube ressaltar as interessantes histórias de vida e peculiaridades de cada proprietário, não deixando de fornecer as informações essenciais para discrever os diversos perfis dos bares daquela avenida. Continue nos presenteando com belas reportagens como essas! Abraços, Brígida Alvim.

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  11. Brígida,

    obrigado pelas palavras tão gentis. "Olhar antropológico" é muita bondade sua, hein?!

    Abraços.

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  12. Não seja modesto, vc tem esse dom sim!rsrs Abço, Brígida.

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