sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Depois das especiarias, os azeites

A jornalista e escritora Rosa Nepomuceno acaba de lançar Fio de Azeite (Casa da Palavra/Senac Rio, 184 páginas, R$ 42), livro no qual descreve sua viagem pelas regiões italianas da Úmbria e Toscana tendo o azeite em foco. Visitou produtores artesanais, empresas gigantes, feiras, plantações e, é claro, restaurantes. Um relato rico em detalhes e informações, precioso para os interessados no óleo de oliva. Seu companheiro de viagem, o chef Marcelo Scofano, selecionou os melhores pratos que a dupla experimentou pelo caminho e fez o grande favor de compartilhar as respectivas receitas conosco - incluindo três sobremesas com azeite. A saber: Rosa também é autora de outros dois títulos de gastronomia, Viagem ao fabuloso mundo das especiarias (José Olympio, 2003, 224 páginas, R$ 32,90) e O Brasil na rota das especiarias (José Olympio, 2005, 174 páginas, R$ 30). Vamos, então, ao ping-pong.


Fotos: Marcelo Scofano/Divulgação


Como surgiu a ideia desse livro?
Esse é o meu quinto livro, o terceiro sobre especiarias e condimentos. A ideia veio do meu interesse por azeites, percebendo a importância cultural desse ingrediente no Mediterrâneo, onde estão os produtores tradicionais, e até mesmo na nossa mesa - via portugueses, espanhóis, italianos, libaneses e israelenses. O vidro de azeite nunca faltou na mesa da classe média brasileira - e me lembro bem de meu pai guardando no armário a latinha de azeite português como se fosse uma preciosidade. Venho percebendo, também, o interesse da gastronomia e dos consumidores em geral no uso dos azeites extravirgens como ingrediente culinário nobre (porque é puro, sem aditivos, nem conservantes) e alimento funcional. Tem sido divulgadas as tantas qualidades nutricionais do óleo de oliva. Depois, ainda tem o fascinante cenário do azeite, as famílias produtoras, os contrastes entre produtores artesanais, que continuam o trabalho de seus antepassados, e as grandes empresas que engarrafam os azeites e os exportam para centenas de destinos. O plantio, a colheita, as festas (na comunidade produtora) após a obtenção de uma boa safra de azeite, o alvoroço das crianças em torno dos moinhos de pedra. A força cultural do azeite é inegável. E escolhi, como cenário do livro, duas regiões muito interessantes da Itália - a Úmbria, no centro, e a Toscana, capital gastronômica da Itália, no litoral.

Qual era o seu conhecimento prévio sobre azeites? Qual foi a principal mudança na sua visão sobre o azeite depois da sua viagem?
Além de apreciadora, desde a casa paterna, e consumidora no dia-a-dia, passei a estudar esse óleo puro de azeitonas há algum tempo, desde quando me voltei para o estudo dos condimentos, há dez anos. Sou consultora do Grupo de supermercados Zona Sul, no Rio de janeiro, para condimentos e azeites. Numa viagem como essa, que fiz em companhia de meu amigo e chef de cozinha Marcelo Scofano, visitando plantações, moinhos seculares (que produzem azeite esmagando as azeitonas sob imensas pedras de granito) e parques industriais onde milhares de toneladas do óleo são acondicionados em tanques gigantes, conversando com pequenos produtores ou com empresários internacionais, observei a importância do produto na agroindústria italiana (e mediterrânea) e suas mil possibilidades como alimento funcional - já que dezenas de universidades pesquisam suas qualidades nutricionais e terapêuticas. Minha visão sobre o azeite ampliou-se, sem dúvida. Tenho absoluta certeza, hoje, de que o azeite não é apenas um ingrediente da cozinha, mas o ingrediente indispensável a qualquer preparo culinário.


A Itália está cercada de outros grandes países produtores de azeite. Fora as questões naturais (geografia, espécies de azeitona etc), há traços culturais do povo italiano identificáveis no azeite do país europeu?
A Itália dispõe de um patrimônio olivícola fabuloso, são milhares de tipos de azeitonas, sendo que, desses, algumas dezenas de frutos nativos em várias regiões do país são os mais cultivados entre os produtores italianos, pela qualidade do azeite que produzem. Ou seja, a Itália valoriza as particularidades de suas azeitonas autóctones (assim como os demais países do Mediterrâneo o fazem com seus produtos regionais). A diferença, com relação ao azeite de outros países, está tão somente nas azeitonas empregadas, que produzem óleos com características sensoriais (cor, sabor, aroma, textura) próprias e, algumas, bastante sensíveis. Por exemplo, os azeites obtidos das azeitonas Taggiasca, da Ligúria, são dos mais delicados do mundo, assim como os obtidos das olivas Dolce Agogia, colhidas verdes, da Úmbria.

A certa altura você informa ter ouvido mais de uma vez que "o italiano ainda não sabe usar azeite". É possível estabelecer comparações entre os consumidores italiano e brasileiro?
Pois é, se dizem os especialistas italianos que "o italiano ainda não sabe usar azeite", muitas vezes preferindo os azeites de oliva comuns, refinados, ao invés de adotar os extravirgens, imagine em que pé estamos, no Brasil. Acho que as matérias veiculadas em todos os meios de comunicação, o aumento da oferta de produtos de qualidade no mercado, a valorização do extravirgem como alimento saboroso e funcional, bom para a saúde, começa a interessar o consumidor. É um aprendizado, assim como aprendeu-se a tomar vinho no Brasil e aprendemos, passo a passo, a comer melhor, com mais sabor e qualidade.


Já teve oportunidade de experimentar o azeite mineiro, produzido em Maria da Fé? Acha que é possível produzir azeite de boa qualidade no Brasil?
Não, não tive oportunidade de experimentá-lo, mas pretendo visitar a região neste ano. Embora ouvi, de um especialista italiano, que será impossivel obter bons azeites no Brasil, considero que, assim como o vinho, em cuja produção crescemos tanto, talvez possamos obter bons azeites em, quem sabe, dez anos. Aposto minhas fichas!

É possível citar quais serão as próximas tendências que marcarão o mercado de azeite no Brasil e no mundo?
Azeite extravirgem como a gordura principal da alimentação. Extravirgens para todos os preparos culinários, dos refogados e grelhados à finalização dos pratos (incluindo as frituras, com o sansa, óleo refinado obtido do bagaço da oliva), azeites condimentados com ervas, trufas, pimentas etc, fio de azeite de oliva sobre sobremesas (como salada de frutas ou sorvete), azeite substituindo manteiga nos preparos de massas para pães ou tortas.

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