sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A "cozinha verdade" na voz do "guerrilheiro"

Eu sei que agora vou ultrapassar os limites da gastronomia com esse post, mas o assunto vale a pena. O ator Paulo Tiefenthaler provocou uma pequena revolução na TV: com seu programa Larica Total (no ar toda sexta, 0h30, no Canal Brasil), ele inovou com um misto de humor e culinária. Certamente, é das coisas mais engraçadas que já vi na TV. Parafraseando minha própria matéria, publicada hoje no caderno EM Cultura do jornal Estado de Minas, o "personagem Paulo de Oliveira ensina o telespectador a cozinhar com o que tem na geladeira, espantando a falta de prática e de dinheiro com muito bom humor". Ele define tudo no conceito "Cozinha verdade, cozinha de guerrilha". Quem ainda não viu ou perdeu algum episódio, pode conferir no YouTube ou no endereço www.globo.com/videos (digite "larica total" no campo de busca). A seguir, íntegra da minha entrevista com ele, motivada pelas gravações da segunda temporada do programa, que vai estrear mês que vem.


Débora 70/Divulgação
Parabéns pelo programa. Virei fã já no primeiro episódio.
Fico surpreso, pois tudo foi feito sem pretensão de alcnçar muita audiência e a do YouTube foi muito grande. Internet é o que há hoje. Cada vez mais. O site está muito legal e é feito coletivamente. Tentamos transformar o Paulo de Oliveira num personagem. Tudo foi escrito a partir do que foi criado nos dois primeiros episódios. Nessa época, o site praticamente não existia. Nesse ‘ir fazendo’ os episódio, fomos descobrindo quem era o personagem e o inventando. Trago muita coisa da minha própria vida para ele. O cenário é a minha casa. Abro tudo, são as minhas coisas, é a minha vida. O personagem é um mix. A ideia é a de que fosse um solteirão para que a gente entrasse nessa coisa da pessoa que mora sozinha, que não tem muito dinheiro, não tem empregada doméstica, tem que se virar, não sabe cozinhar e resolveu enfrentar essa realidade de frente. É uma filosofia de vida: aprender a se cuidar melhor, fazer um carinho em si mesmo. Aprender a fazer um ovinho mexido bem feito, cozinhar um arroz, feijão, coisas básicas da vida. É uma auto-ajuda: ‘Meu irmão, levanta do sofá agora, todo mundo junto, vamos dar um jeito nisso aqui’. Tem um pouco de irmão mais velho também. Não sabíamos como fazer. Tanto que primeiro episódio zero não foi ao ar. Era mais ou menos um reality show. Falei para os meninos: ‘Liga a câmera aí e me segue’. Quase não falava para a câmera. Achamos bacana. Em seguida, quando fomos gravar o episódio do frango totalflex, que foi o piloto que o Canal Brasil tinha encomendado, começamos a fazer no mesmo esquema, mas em algum momento eu falei para parar a câmera. Eu estava fazendo sozinho e tinha de criar alguma coisa. Não sabia como seria a interpretação desse personagem. Se seria eu mesmo ou um personagem. Porque viraria um personagem, pois não sou aquilo que está no programa. Emprestamos uma ideia do que a gente acha que é um cara espirituoso e que possa conquistar as pessoas pela sua honestidade espontânea e escrachada. O jeito de fazer isso tem muito a ver comigo. Todos nós temos um personagem social, que não é exatamente aquilo que a gente é dentro de casa, sozinho. Tem pessoas que são mais reservadas no social e outra criam um personagem mais fortemente para poder interagir. Eu tenho um personagem social forte. Isso é uma premissa para a coisa acontecer. A segunda são cinco ou seis pessoas que passaram pela minha vida e que compõem o personagem. O jeito de falar, esticar o braço, olhar, fazer piadinha. É um patchwork de várias pessoas que conheci e continuo conhecendo. É um astral do Rio de Janeiro. Paulo de Oliveira tem muito a ver com a cidade. São pessoas desconhecidas, parentes. O bigode, por exemplo, é do meu primo argentino Horácio, que não vejo há mais de 10 anos. Moramos juntos quando eu tinha 18 anos. Eu nunca usei bigode, mas as pessoas foram gostando dele. Quando gravei uns dois ou três episódios sem bigode, reclamaram e ele foi ficando. Tudo aquilo ali é meu. A calça de moletom vermelha, as cuecas, o liquidificador torto, as panelas. Tudo está virando uma ficção. Evidentemente, daqui a um tempo, tudo será doado para um Museu Larica Total.


Felipe Abrahão/Divulgação
O que significa o programa na sua carreira?
Uma levantada, porque fiz teatro muitos anos no Rio e depois parei. Comecei a trabalhar com vídeo, fui para a Globo, fiz parte da equipe de edição das primeiras edições do Big Brother. Achei tudo aquilo um saco. Não me dou bem como empregado de empresa nenhuma. Funciono livre. Fui fortalecendo os outros lados, trabalhando com vídeo e fiz um documentário de curta-metragem chamado Jorjão, que ganhou edital da Riofilme, participou do Festival de Brasília, além de Cuba, Portugal, Uruguai, Texas. Foi um filme que abriu portas para mim como cineasta, principalmente como editor. Comecei a editar outros documentários e muita videoarte. Me afastei muito do teatro, entrei mais ou menos no cinema e fui encontrar uma nova turma no mundo das artes plásticas, onde habita a maioria dos meus principais amigos hoje. Trabalhei muito com eles, fiz video e dei aulas sobre isso para a Funarte. A galera que faz o Larica - Caíto, Felipe, Leandro, Terêncio, Adriana - se conhece há muitos anos e me conheciam por causa do Jorjão e porque fui ator de alguns curtas. Eram pessoas que estavam de olho em mim, de certa maneira, mas não necessariamente para trabalhar no Larica Total. Quando surgiu o programa, fizeram alguns testes, mas a coisa não andava muito. Tinham um pouco de pudor de cozinhar ou queriam fingir que estava cozinhando. O projeto não ia rolar, estava quase sendo engavetado. Em 2006, o pessoal da Carambola pensou em fazer um curta metragem com esse personagem. Não aconteceu nada e o projeto ficou guardado. No ano seguinte, o Leandro, que trabalha na Globosat, comentou com alguém do Canal Brasil que achou bacana. Mandaram produzir um piloto, fizeram testes com três pessoas, mas não rolou muito bem, pois as pessoas não conseguiam lidar com a comida. O Daniel Castanheira, que é o trilheiro do programa, é muito meu amigo e quando me encontrou falou que estava rolando uma prada que eu tirar de letra. Fomos fazer o teste lá em casa e comecei a fazer o Larica Total. Na verdade, sempre tive a vontade de fazer uma coisa dessa. Anos atrás, com uma amiga atriz, tive a ideia de fazer um terrorista de cozinha, um cara que ficava cozinhando em casa, fazendo loucuras. Isso nunca aconteceu, era papo de doidão de final de semana. Então, existia esse espírito de guerrilha, de brincadeira, dentro de mim. A questão de não saber cozinhar era a mais importante. A gente vai aprender juntos essa parada. Estamos juntos. O espírito é esse. É como se estivéssemos numa floresta ou num deserto. Por exemplo, no episódio do Frango totalflex, que é o primeiro, há uma ideia de roteiro, mas é tudo improviso meu com Felipe e Leandro. A câmera ligada o tempo todo, era quase um bate papo. Com o tempo, vimos a importância do roteiro, das ideias, de saber o que esse personagem vai viver. Tudo isso foi feito coletivamente lá em casa. Passamos o dia inteiro cozinhando, bebendo, cantando, gritando, bagunçando geral. Assim, criamos 30 argumentos. Depois, Leandro e Caíto colocam nossas ideias no papel. A partir daí, me mandam de volta para estudar esse roteiro. Nunca decorei um texto, pois acredito muito na presença de espírito. Pego o texto, entendo a ideia e dou a minha opinião por cima, tentando fazer a piada. O improviso é o que manda e vai mandar sempre. Os primeiro episódios foram muito importantes pois foi neles que me soltei completamente e dei tom da parada. Nesse espírito, criamos as outras receitas e episódios.
Como decidem que receitas vão fazer?
As receitas da primeira temporada foram pensadas em cima do básico. Aprender a fazer ovo, feijão, arroz, macarrão, misto quente. No caso do misto quente, é aquela brincadeira: está pronto, está pronto, mas vamos gratinar a ‘criança’. E não precisa do creme de leite francês. Faça com o que tiver, toque na comida, não tenha medo dela, brigue com ela, divirta-se. É para quebrar a barreira. Como não sou cozinheiro profissional e o Paulo de Oliveira evidentemente não é, não tenho a obrigação de acertar. O programa está o tempo todo sugerindo: estética de gravação, de edição, jeito de falar. Além da nossa frase, ‘a culinária verdade’, procuramos bater nesses programas de culinária, nos quais tudo é muito limpo. Ninguém tem aqueles ingredientes em casa. Não temos nada contra programa de ninguém. Nem era nossa ideia fazer sátira, mas sim um programa de culinária de um cara que não sabe czinhar e que resolve dividir esse problema com os outros. Vamos juntos aprender a fazer um arroz. Eu erro aqui e você acerta em casa. Cozinha é treino: acorde, escove o dente e corte um alho.

É um programa de humor ou de culinária?
Eu considero... Pergunta difícil, hein?! Todo mundo fala que é porgrama de culinária e eu digo que não sei. Durante um tempo, disse que era um programa de não sei o que. O Paulo de Oliveira não é cozinheiro. Ele aluga bugues e tira dinheiro disso. Isso não está aparecendo muito porque não está dando para a gente arranjar esses bugues. Não temos orçamento (risos)! Fica mais na ficção. Já me disseram que eu sou o Jamie Oliver brasileiro. Não sou! Não tenho nada a ver com o Jamie Oliver! Ele é um cozinheiro maravilhoso, cozinha de um jeito muito jovem. Não sou cozinheiro. Paulo de Oliveira é um guerrilheiro da guerrilha urbana diária de todos nós. Para mim, é um programa de humor e de culinária. E também de problemas. Acho limitador dizer que é um programa de culinária. É também de autoajuda. Aprender a fazer uma omelete já é se ajudar. Mas essa autoajuda é uma coisa despretensiosa. Tenho medo de falar o que é esse programa e me enrolar, pois não fico teorizando esse troço. É muito espontâneo, não tenho pretensão. A coisa tem de acontecer quase sem querer. Já passamos por muita coisa em relação a TV brasileira e mundial: muitas ideologias que já passaram. Por exemplo, se eu ficasse militando, politizando a parada, destruiria o programa. Tem de ser o contrário. Tudo já foi dito. O programa não seria lá em casa. Quando fechamos, propus que fosse lá. Moro numa cobertura super gostosa em Santa Tereza, com muita janela, vista 360º. A cozinha é super iluminada, tem astral. Entrei com tudo nessa.

O programa continuará a ser gravado na sua casa?
A segunda temporada sim. A terceira, não sei. O Larica Total é uma invasão muito grande na minha casa. Às vezes, a gente deixa o programa dar dinheiro e aluga uma outra casa para o Paulo de Oliveira. Não quero sair de lá. Bagunça demais a minha casa e tenho outros trabalhos que faço lá em casa. O programa invade a minha casa como uma manada de elefantes.


Felipe Abrahão/Divulgação

Gosta dos programas de culinária atuais?
A Ana Maria Braga tem dicas muito boas no site dela. O programa brasileiro de culinária que mais vi foi o do Alex Atala. Acho ele um cara forte, legal, que cozinha muito, tem um jeito rápido de cozinhar e atinge o público do GNT, que é sofisticado. Não perde tempo, fala numa velocidade gostosa de ouvir: rápida, objetiva e tranquila. As receitas são sofisticadas, mas simples. Não precisa ser rico para comprar. Nós, que somos pensadores do audiovisual, formados em faculdade de comunicação, fazemos e desejamos colocar um programa de televisão de uma forma diferente no ar há mais de 10 anos, estamos conseguindo esse milagre com o Larica Total, o que seria impensável há 10 anos na programação da televisão brasileira. É uma vitória, mesmo sendo TV a cabo. É um começo. Não criamos o programa com base numa teoria; vem do nosso próprio caos. Várias cenas do programa são gravadas assim. A câmera fica ligada, eu só viro a pupila para a lente e digo uma coisa que me passou pela cabeça na hora. Na hora da edição parece que foi ensaiadíssimo. Do Jamie Olivier eu gosto também, mas sou mais o Larica Total, que é um programa a favor da amizade, do amor, da alegria e do renascimento. Desde o renascer da pessoa que acorda de ressaca até a mudança de vida que é aprender a cozinhar.
Então, no fundo, o programa tem um quê sério...
Lógico! Tem gente que fala comigo sobre o programa como se fosse só merda. Assista o programa direito, preste atenção ao que está nas entrelinhas o tempo todo. Para ser sério, não é preciso estar de terno e gravata. Ser sério está em entender o que está sendo colocao no programa, que está sugerindo coisas nas entrelinhas o tempo todo. Isso quando não falo diretamente: ‘Querido, engole o choro, levanta, come e vai conhecer gente nova’. Não falo só besteira. São sugestões sutis. É difícil, porque isso não pode ser pretensioso. Tem de ser muito sutil, quase sem querer, honesto. O clima é esse.
Você sabe cozinhar?
Não, mas estou cozinhando melhor por causa do Larica Total. Sério! Antes do programa, dominava bife, arroz, batata, salada, legumes, macarrão. Sempre fui muito bom de molho. E mais nada.

O que gosta de comer?
Peixe. Meu prato predileto é badejo grelhado, um bom arroz com nozes, castanhas.
Terá isso no programa?
Não sei. Talvez. Já fizemos uma truta, né? Gosto também de tortas salgadas. Minha mãe fazia uma torta de cebola maravilhosa. Gosto de uma carne bem feita, de uma bom cozido, frutas, legumes bem preparados. Adoro salmão.
Você falou de verba. Quanto custa um episódio do programa?
Não sei se vou te dizer. Não gosto de falar isso. É pouco dinheiro. É bem menos do se imagina que seja pouco. Para colocar um programa desse no ar, eu faria quase de graça. Só para conseguir meter o programa. Isso em 2007, quando começamos a gravar. O mais importante era fechar contrato, e não saber quanto iríamos ganhar. Posso morar debaixo da ponte, mas se o programa for para o ar, é isso que me importa. E o milagre aconteceu. Deu certo, estamos tendo uma resposta absurda, as pessoas estão se identificando e entendendo a parada.
O que vai ter de novidade para a próxima temporada?
Estou cozinhando melhor, então, o personagem também. Estou mais ágil na cozinha. Já gravamos um episódio em que ensino a fazer carne assada. Foi hilário, o programa mais pornográfico de todos. Para furar aquela carne, foi um negócio...
Como será o primeiro episódio da segunda temporada?
Sobre tapioca. Vai ter muita coisa, até sopa de pedra. Também terá pesto, arroz piemontês, que aliás, é um prato decadente, que saiu de moda. Teremos convidados e ainda não sabemos como será a participação do público. Em novembro lançaremos um box de dois DVDs com os 24 episódios da primeira temporada e livrinho de receitas. O site será reformulado e incrementado no final do ano ou ano que vem. Vai virar um portal audiovisual, com vídeos curtos exclusivos e dicas diversas sobre a cidade. Tipo: onde alugar bugues no Rio de Janeiro? Já gravaramos oito dos 24 episódios. Já estamos programando a terceira temporada e pretendemos ficar pelo menos umas cinco no ar. Até eu aguentar! Aí largo tudo e vou para Bahia!

5 comentários:

  1. Oi Dudu!
    Eu e Marcela também somos fãs desse cara. Ele é muito bom. Vimos todos os episódios e outro dia vi no Canal Brasil um teaser da segunda temporada.
    Agora é só aguardar pra ver se será tão boa quanto a primeira.
    Abs,
    Gui

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  2. Demais a entrevista Girão. Assisto o Larica na tv desde o 3 episodio sou fã. Pra mim é o melhor programa de culinária na nossa tv disparado! Abs! Parabéns

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  3. Gui e Rafael,

    também sou super fã do Larica. O Paulo é espontâneo e espirituoso, por isso fica tão bom. O programa é uma das melhores coisas que pintaram na TV nos últimos anos. Sem dúvida. Vamos torcer pela continuidade dele.

    Abraços.

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  4. Também sou fã.

    E bacana demais saber que os videos do Larica estao no acervo de videos da Globo.

    E Girão, vai uma dica: quando for colocar um link em um post, coloque para abrir em uma nova janela, assim não saímos do seu blog.

    ; )

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  5. Oi, Guilherme.

    Obrigado pela dica. Como faço isso? Não sou craque em matéria de computador - pelo contrário -, mas se clicar no link segurando a tecla shift, você abrirá em nova janela.

    Abraços.

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