Em setembro estive lá no D.O.M., do chef Alex Atala, em São Paulo. Fiquei devendo desde então um relato de como foi lá, de maneira que quitarei essa dívida agora, neste post. O 24º melhor restaurante do mundo na lista anual da revista britânica Restaurant fica numa rua sem saída (Barão de Capanema, 549), nos Jardins. Não há placa: apenas as três letras que dão nome à casa em relevo, feitas de metal e em tamanho pequeno. Luz baixa e pé direito alto. Luz, mesmo, só na cozinha. Por isso (e pela humildade da minha câmera) as fotos estão tenebrosas... Peço desculpas pela baixa qualidade das imagens, mas pensando pelo lado positivo, ao menos saí de lá com o prato a prato todo registrado. As fotos são feias, mas são fotos.
Bom, chega de chororô e vamos ao que interessa. Chegamos lá para jantar numa segunda-feira. Optamos pelo menu de oito pratos, que na prática teve 12, além do couvert e café! Como são porções pequenas, passar por todas não foi nenhum sacrifício - muito pelo contrário. Me lembro de ter ouvido o próprio Alex me dizer numa entrevista que o ideal é que o comensal chegue a sobremesa com o mesmo ânimo do início. Ele tem razão.
Sentamos no mezanino, de onde se vê boa parte do salão:
Começamos com pães feitos na casa (integral e de ervas) e pão de queijo, tudo oferecido constantemente ao longo do jantar num grande cesto forrado com pano:
Em seguida (da esquerda para a direita), coalhada com azeite, creme de alho caramelizado e manteiga francesa Président com sal grosso e alecrim (atrás há uma latinha com manteiga Aviação, reparem):
E eis que a sequência de 12 pratos começa com gel de tomate verde com flores, ervas, brotos, cítricos e milho peruano, uma festa para os olhos e para o paladar:
A próxima criação do chef foi apresentada sobre uma placa de ardósia! O retângulo por baixo de tudo é uma espécie de carpaccio de palmito pupunha, muito fino e delicado. Por cima, uma inesperada combinação de alga, melancia e creme de castanha do pará. O garçom nos disse para comer primeiro a flor roxinha que vem ao lado, o borago, na qual Atala identifica sabores de ostra e melancia (detectei algo parecido com melão). A junção de um pouquinho de cada coisa na boca foi um dos pontos altos para mim. Incrível.
Alex disse que costuma criar algumas receitas para confundir, para brincar com o freguês. Penso que é uma maneira de fazer com que se preste ainda mais atenção ao que ele traz à mesa. O prato seguinte é um bom exemplo disso: a casca de ostra na parte de trás sugere que algo do mar foi usado, o que não é verdade. Trata-se de um purê de cará com brotos de agrião e manga verde. Só elementos da terra e nada do mar! A não ser que se considere o fator marítimo psicológico do borago...
Arroz negro com legumes e leite de castanha do pará (ingrediente interessante), o quarto prato:
Mais um equilíbrio complexo de sabores. Queijo coalho, legumes tostados, mel de engenho, espuma de fumaça (sim, é esse o sabor!) e azeite de baunilha:
Um clássico, de Alex, "Quiabo, quiabo, quiabo". No mesmo prato, temos papel de quiabo (a folha verde, em cima, que é feita a partir da celulose natural dele), quiabo, frito, quiabo ao forno, quiabo salteado, caviar de quiabo (as sementes) e fundo de legumes tostados com baba de quiabo.
Quem disse que toda brandade é de bacalhau? No D.O.M. há essa, saborosíssima, feita com palmito pupunha e servida com a genial combinação de anchova e rôti de carne:
Opa! Só agora me dei conta de que deixei de registrar em foto o oitavo prato. Inclusive, lendo minhas anotações no bloquinho, lembrei-me que havia gostado muito dele: mandioquinha defumada, pasta de berinjela, espuma de amendoim, levedura de cerveja e azeite de manjericão. Foi outro ponto alto, certamente. Fico devendo a foto!
Surpresa: carne de paca na mesa! Saborosa, extremamente macia e untuosa... Para ficar na memória. Chegou a mesa com mandioca frita, molho rôti, cebola grelhada e pimenta. Soube que o restaurante paulistano Fasano também vai começar a servir.
Para finalizar a seção salgada do menu, o tradicional aligot, feito com batata e queijos gruyère e minas padrão. A mistura elástica é trazida à mesa presa a duas colheres, que giram num movimento que lembra a produção da bala delícia. Alguns vão questionar o porquê do queijo minas padrão. Por que não usar o artesanal? Eu mesmo me perguntei e não tive como poupar o chef da minha dúvida. Questão de consistênca, me justificou ele.
A placa de ardósia está de volta. Dessa vez, com inusitado trio de sobremesas. Da esquerda para a direita: cogumelo kikurague (de sabor doce), ravióli de limão com banana ouro (maravilhoso!) e pudim de priprioca (há tempos o chef usa esse ingrediente, espécie de baunilha amazônica).
Última etapa! Torta de castanha do pará com sorvete de uísque, calda de chocolate (com curry, pimenta malagueta e sal maldon) e rúcula selvagem. Mais uma para a lista de boas sobremesas pouco açucaradas. Uma beleza de equilíbrio!
Expresso e petit fours na despedida. Um deles levava bacuri!
Antes de ir embora, dei uma espiada na cozinha e conversei um pouco mais com Alex e sua equipe. Acima da bancada, reparem, está o kit para afastar mau olhado e afins!
Hot Take: Pumpkin Pie Is Good
Há 13 horas
Du, que banquete!
ResponderExcluirDúvida bem direta, de quem gostou mas desconfia que vai ter que fazer uma poupança-D.O.M. para experimentar: quanto pelo menu degustação?
Abs.
Pedro Nicoli
E já entrando em uma outra discussão, Girão: você acha que o crítico gastronômico tem que pagar a conta?
ResponderExcluir; )
Oi, Pedro!
ResponderExcluirPois é, apesar da aparência de banquete, saí leve do restaurante. Isso não ótimo?
Olha, se não me engano, o menu de quatro pratos custa R$ 190 e o de oito, R$ 270. Faça a poupança-D.O.M. com convicção e tranquilidade, pois valerá cada centavo!
Abraços.
Oi, Guilherme.
ResponderExcluirSe não pagar a conta, não tem jeito de ser crítico, concorda? A questão da "invisibilidade" (ser ou não reconhecido nos lugares) pode até ser colocada em discussão, mas conta é conta! Tem de ser paga sempre! Esse é um dos pilares da atividade de crítico gastronômico.
Abraços.
Eu vi um Dadinho como sobremesa? Um DA-DI-NHO??
ResponderExcluirBelo post. Sempre tive curiosidade de saber o que era servido no D.O.M.
Abraço,
Gabriel
Girão, e o Dalva e Dito?
ResponderExcluirJá foi lá?
; )
Dud's, foi chique demais, hein?! Adorei!
ResponderExcluirNão se preocupe com a qualidade das fotos, pois deu pra ilustrar perfeitamente seu passeio pelo menu!
Quando você me contou das placas de ardósia imaginei exatamente assim, retangulares e com as porçõezinhas enfileiradas, apresentação bem criativa!
Parabéns pelo post!
Sim, Gabriel, é um dadinho! Afinal, "mexer com os sentimentos" faz parte do trabalho de alguns chefs modernos de hoje. Sua reação ao ver os dadinhos naquela foto é a prova disso, concorda?
ResponderExcluirAbraços.
Guilherme,
ResponderExcluirainda não fui ao Dalva e Dito e tenho muita curiosidade de conhecer a casa. Ainda mais depois de tudo o que já foi dito a respeito dela.
Você já esteve lá?
Abraços.
Obrigado, Bê.
ResponderExcluirQue bom que as (péssimas) fotos estão conseguindo dar a mínima representação do que é a comida do D.O.M.!
Pois é, a apresentação, as louças e talheres ajudam a fazer um pouco da grande diferença que se percebe lá.
Beijos.
Du, parabéns pelo Post!
ResponderExcluirJá estive algumas vezes no D.O.M. e sempre saio de lá bem assim mesmo, leve e surpreso. Uma vez comi um peixe em uma cama de bolinha de algo que parecia sagu com tucupi lá que foi uma das coisas mais sensacionais e gostosas que já experimentei.
Fui também ao Dalva e Dito e posso lhe dizer que também pode ir sossegado. Comi uma entradinha de pimenta cambuci (o que eu conhecia como pimenta-godê, segundo o vocabulário de mamãe,hehehe) recheada com carne de porco que me dava vontade de parar por aí. Tive que me segurar para não comer dúzias delas e terminar meu almoço por aí, na entrada! Lá se serve pratos bem menos refinados e conceituais do que no D.O.M., mas tudo feito com um capricho admirável e com um toque de originalidade que te faz surpreso até mesmo com uma simples "rabada"!
Vale a pena.
Grande abraço.
Thiago Figueiredo
Oi, Thiago!
ResponderExcluirPois é, o D.O.M. é mesmo incrível! Uma experiência e tanto, que todo gourmet deve ter pelo menos um dia na vida. Obrigado pela dica do Dalva & Dito! Fica anotado para a próxima ida a SP.
Abraços.