terça-feira, 16 de junho de 2009

Com a palavra, Rodrigo Oliveira, do Mocotó (SP)



Luna Garcia/Divulgação

Filho do pernambucano José Oliveira de Almeida, o paulistano Rodrigo Oliveira tomou as rédeas do Mocotó há aproximadamente cinco anos e, de lá para cá, fez da casa uma das mais comentadas de São Paulo. Ele está no topo e chegou lá percorrendo a trilha aberta por seu pai, quando abriu o Mocotó, há 35 anos: comida do sertão pernambucano. Rodrigo estará no Albano's na próxima terça-feira, dia 23, para preparar pessoalmente algumas receitas que executa no Mocotó. Daí em diante, a mocofava (mocotó com favada, um dos pratos mais famosos da casa), os dadinhos de tapioca com queijo coalho e as torradinhas de carne de sol, ao que parece, continuarão sendo servidos por tempo indeterminado. Conversei com ele ontem para fazer matéria que estará na edição do caderno Divirta-se dessa sexta, dia 19. A seguir, a íntegra do nosso papo.


Como explica o sucesso do Mocotó?
Se eu soubesse direitinho, teria mais uns dois ou três restaurantes, para aposentar mais cedo. (risos) O fator chave é confiança. Fazer bem uma vez, todo mundo faz. Mas todo dia, contra qualquer adversidade e sem cansar nem deixar a peteca cair, é outra coisa. O fator determinante é trabalho, estar lá todos os dias fazendo isso com paixão. Está no nosso sangue. Meu pai começou o Mocotó há 35 anos e eu já estou lá há 14.

Como você assumiu a casa?
Estudava gestão ambiental e conheci uma pessoa que estudava gastronomia. Não entendia o que era aquilo e, desse contato, fui lendo, pesquisando, me envolvendo cada vez mais até que decidi largar o curso e fazer gastronomia. Até então, trabalhava no Mocotó lavando prato, limpando o chão e atendendo mesas. Quando meu pai viajou para Pernambuco, assumi a casa e comecei uma pequena revolução. O botequinho de 10 mesas virou um restaurante muito bem freqüentado.

Seu pai gostou do que viu na volta?
Nada! Ficou bravo demais. Tomou um susto e eu, uma bronca.

Você estagiou em outros restaurantes?
Durante a faculdade, não consegui estagiar porque já trabalhava. Depois, recebi convite do chef Laurent Suaudeau, que é uma pessoa extraordinária e foi meu primeiro mentor. Depois, passei pelo Pomodori, do Jefferson Rueda e Rodrigo Martins. Lá eu aprendi demais. Foi meu primeiro contato com um restaurante de verdade, pois na época eu não considerava o Mocotó merecedor desse título. Foram as experiências mais marcantes.

Você também trabalhou com a chef Mara Salles, do Tordesilhas?
Na verdade, não. O Tordesilhas foi o primeiro restaurante que visitei. A Mara é e sempre foi inspiração para o meu trabalho. Nosso contato foi se estreitando cada vez mais e hoje a gente faz bastante coisa juntos, se visita, troca ideias. Hoje dividimos o mesmo espaço e a mesma atenção. Para mim, é uma honra enorme.

No Mocotó existem diretrizes específicas para criação de pratos?
São algumas. Primeiro: a comida não pode ser cara, temos de ser um restaurante democrático. Também temos de colocar a cozinha nordestina em primeiro plano. A pessoa olha para o cardápio e sabe do que se trata. É cozinha nordestina e, mais especificamente, sertaneja. Não uso ingredientes importados ou coisas que não façam parte do nosso universo. Mas não sou contra quem faz isso. Forço a retirada do máximo que temos a disposição do nosso sertão. Procuro incorporar intensamente técnicas e equipamentos para tirar o máximo dos ingredientes.

Como equilibra isso?
Exemplo bom é o da carne de sol, que é uma linha mestra para mim. O preparo tradicional é assado: ela fica suculenta, mas não tão macia. Já a carne de sol cozida, com aquela parte cartilaginosa gelatinizada, perde boa parte do suco, seja no cozimento, seja na finalização em forno ou brasa. Como juntar o melhor dos dois mundos sem desvirtuar a carne de sol? No restaurante, ela é salgada, maturada em temperatura controlada, seca numa estufa, embalada a vácuo, cozida a baixa temperatura e finalizada no forno. Esse é o nosso entendimento de como são as melhores características de uma carne de sol.

De onde vêm os produtos usados no restaurante?
Temos a sorte de estar na maior capital do Nordeste, que é São Paulo. A colônia é muito forte aqui e praticamente nada a gente tem de trazer direto de lá. Já existe tudo no mercado daqui. Temos grandes parceiros que atendem a gente há 10, 20, 30 anos.

Seu pai ainda trabalha no Mocotó?
Trabalha e todos os dias. É o único que não folga nunca. O Mocotó é a casa dele, é muito apegado. Não se permite estar longe. Tem que estar lá, tem que cuidar e estar por perto. Para mim isso é ótimo e não só é saudável para ele, como as pessoas adoram vê-lo. Ele não tem obrigação de cozinhar, mas está sempre separando as coisas de banco, fazendo pagamentos, olhando tudo, brigando comigo o tempo todo.

Você já foi até Mulungu (PE), cidade onde seu pai nasceu?
Claro. Vou desde pequeno. Sempre ia passar as férias escolares lá. Há dois anos fiz uma viagem de carro pelo Nordeste. Foi a grande viagem da minha vida. Saí de carro daqui de São Paulo, sozinho, e rodei uns 10 mil quilômetros durante 50 dias. Conversando com pessoas, indo a mercados, feiras, produtores. Cinqüenta dias de aventura. Voltei com ainda mais confiança de que estava no caminho certo. Infelizmente, não encontrei tantos restaurantes regionais com comprometimento com a raiz quanto eu imaginava. É muito difícil encontrar um restaurante regional, autêntico, que tenha consciência do seu papel e que use essa influência para promover bons produtores, bons produtos e mostrar a cozinha nordestina como se deve, e não algo grosseiro, pesado.

As mudanças que você promoveu no restaurante quando o assumiu, há cinco anos, desagradaram algum tipo de público?
Acredito que não. Temos clientes que vão a casa quando nem Mocotó era, quando ainda era Casa do Norte, empório de secos e molhados com balcão para venda de algumas cachaças e petiscos no fundo. E assim era o Mocotó originalmente: um emporiozinho. Por causa da fama de um prato - o caldo de mocotó -, tudo veio a seguir. Esse público que frequenta a casa desde o começo – nordestinos e descententes -, vai lá até hoje e ainda leva a família.

O fato de estar afastado de regiões nobres como Jardins e Itaim ajuda ou atrapalha?
Há prós e contras. Tem gente que reclama de dificuldade de acesso, que o restaurante é afastado e até fala de eu não poder cobrar tanto quanto um restaurante da zona sul. Nosso pessoal mora todo nas proximidades do restaurante e eu, no mesmo quarteirão. Meu pai, a duas quadras. A grande maioria vem andando de quarteirões ou bairros vizinhos. As pessoas que trabalham no Itaim, Moema e Jardins não moram nesses bairros. Enfrentam duas horas de trânsito para ir para casa. Esse é um dos grandes prós de estar na periferia. Você tem todo mundo por perto e se sente em casa. É o melhor lugar do mundo.

Vocês estão mesmo preparando um livro sobre o Mocotó?
Sim e vai ficar bem legal. Relutamos muito em aceitar convites de editoras, mas esse da Ediouro foi muito carinhoso e veio de pessoas muito especiais. Acabamos cedendo e estamos fazendo um livro com a nossa cara, contando a história do Mocotó, a história da nossa cozinha, muitas receitas, causos, pensamentos de cozinha. Será um belo material. Está tudo tão novo, tão no começo... Estou aprendendo tudo agora. Conheci esse mundo há pouquíssimo tempo e há menos tempo ainda consegui efetivamente me dedicar só a cozinha, me desvencilhando das outras obrigações do restaurante. Ainda estou estudando muito, quero aprender muito, estagiar. Será um registro desse momento, que é muito especial. Tudo indica que até novembro fica pronto.

Pretende abrir mais casas?
Tenho desejo enorme de abrir um café, mas um café sertanejo. A mesa de café da manhã nordestina é muito rica, mas muitas vezes mal apresentada e mal explorada. Canequinha de café com leite, café de coador adoçado com açúcar mascavo ou rapadura, tapioca feita na hora com requeijão do norte, queijo de coalho dourado, macaxeira cozida bem molinha, cuscuz, ovo caipira, bolo de rolo, bolo de souza leão. Essa mesa me encanta e é a refeição que mais me dá prazer. Tem tudo o que eu gosto. Já temos um ponto em observação, na própria Vila Medeiros. Já recebemos convites para abrir outro Mocotó em vários pontos da cidade e em várias capitais, mas seria fazer mais do mesmo. Ainda há tanto o que cuidar no Mocotó... Cuidar. Essa é a palavra! Fazer mais uma casa e dividir esses esforços, que já são tão escassos, não me parece uma boa ideia. O Mocotó ainda tem muito o que evoluir. Apesar de ter 35 anos de idade, o Mocotó é um bebezinho ainda. Esse novo momento tem cinco anos. Novos projetos virão, mas no momento é o Mocotó que receberá toda a nossa atenção.

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